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terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

Carregando a Cruz



“ninguém vai carregar a própria cruz sem negar o seu eu”

Já perdi a conta de quantas vezes ouvi pregadores dizendo que devemos carregar a nossa cruz, suportar as lutas e dificuldades, pois isso agrada a Deus. Durante muito tempo não questionei isso, afinal de contas Cristo sofreu muito para nos dar a Salvação, morreu em nosso lugar para que pudéssemos ter vida eterna.

Entretanto ao meditar na letra do louvor “Tome a Cruz”, composto pelo pastor Paulo Cézar, do grupo Logos, comecei a pensar melhor sobre essa questão; vejam o que diz um trecho desse louvor ou canção:

Tomar a cruz não é carregarUm peso, um fardo ou uma enfermidade que chegarMesmo que chegar
Tome e a cruz...Tomar a cruz é testemunhar,Mesmo que o mundo inteiroVenha contestar.Tome a cruz...

Na primeira estrofe destacada o pastor coloca por terra essa ideia de que tomar a cruz é sofrer com as dores e lutas do viver; na segunda estrofe destacada ele diz o que de fato é carregar a cruz, segundo a belíssima canção, carregar a cruz está atrelado ao testemunho, vejamos o sentido bíblico.

A passagem em que Jesus dá a ordem a seus discípulos para tomar a cruz está registrada nos três primeiros evangelhos: Mateus 16.24, Marcos 8.34 e Lucas 9.23; mas o que me chama a atenção é que em Marcos e Lucas está registrado que Jesus disse isso a multidão ou a todos, ou seja, tal ordem é dada a qualquer um que queira seguir a Cristo.

A expressão comum em todos os três evangelhos é: “se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me”. Caros leitores, se tem algo negligenciado pelo cristianismo hoje é o seguir a Cristo, o compromisso que Deus exige daqueles que dizem segui-lo.

Vamos primeiro explicar o que Cristo estava dizendo com a expressão “tome a sua cruz”. Todos sabemos que a morte por crucificação ou crucifixão, era uma prática comum no na antiguidade e ainda mais no império romano[1], sabemos também que havia um acordo entre os romanos e os judeus de proibição da prática da crucifixão dentro da cidade de Jerusalém, isso devido a lei judaica de contaminação pelos mortos[2]; devido a isso era necessário cumprir a sentença de morte fora dos muros da cidade.

Contudo Roma era o povo dominador e não perderia a oportunidade de mostrar seu poderio, por isso as autoridades, se valendo dos soldados, obrigavam os condenados a carregar a ‘própria cruz’ até o local da crucifixão, ou seja, o sentenciado a morte “desfilava” pela cidade e todos viam que aquele não voltaria vivo.

Tomar a cruz para o judeu tinha essa conotação: “não voltarei”. Entretanto perceba que Cristo diz antes: “negue a si mesmo..”, no contexto que Jesus está dizendo, contexto esse muito bem apreendido e expressado de maneira poética e tão bela pelo pasto Paulo Cézar no louvor citado, não se trata de uma morte física, mas de um testemunho publico de que a partir daquele momento pertencemos a Cristo e nosso compromisso é apenas com Ele; mas nenhum ser humano terá esse compromisso com Deus sem negar a si mesmo, ninguém vai carregar a própria cruz sem negar o seu eu.

Acredito, caro leitor, que negar a nossa vontade, nossa vaidade, seja a tarefa mais difícil que Cristo nos impõe, especialmente para nossos dias; em uma época de narcisismo exagerado, em que tudo e todos nos diz para olharmos para nosso umbigo, os vícios se tornaram virtudes, bem disse o profeta Isaías: “Ai dos que ao mal chamam bem e ao bem, mal...”[3]; a inversão de valores é ululante, bem como a falta de compromisso, e é exatamente de compromisso que a passagem nos fala.

A nossa cultura não está disposta a ter compromisso, a negar os próprios desejos e interesses. Não se pode servir a dois senhores, ou obedecemos a Jesus e negamos a nós mesmos e carregamos a nossa cruz ou não pertencemos a Ele, ou aceitamos a sua palavra total e literalmente ou somos cristãos.





[1] Muitos atrelam a prática da crucifixão apenas ao império romano, isso não é verdade, há registros anteriores de tal pratica, contudo é verdade que o império romano teve a crucifixão como principal pena de morte.
[2] Hoje sabemos que Deus em sua infinita sabedoria não impôs essa lei apenas por uma questão ritualística mas acima de tudo por uma questão de higiene, basta observar quantos povos foram dizimados por doenças, a Europa mediava sofreu muito por doenças causadas por falta de saneamento, higiene; contudo nunca houve esse problema em Israel.
[3] Isaías 5.20

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