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terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

Self cristã



“Conhece a ti mesmo e saiba que és pecador”


“Vivemos na era da self! Vivemos na era digital! Vivemos na era virtual!” Provavelmente o leitor já ouviu essas e outras expressões que marcam nossos dias, se não ouviu todas essas, ao menos uma já ouviu.

O termo “self” nos dias de hoje se tornou sinônimo de fotografia, um certo tipo de fotografia na verdade, contudo o termo em inglês indica reflexão, ou seja, é usado para indicar uma ação sobre si mesmo. Isso pode ter efeitos diversos dependendo de como lidamos com a autorreflexão.

Os gregos tinham uma máxima que historicamente atribuímos a Sócrates, contudo era uma inscrição na entrada do templo do deus Apolo em delfos, tal máxima era: “Conhece a ti mesmo e saiba que és mortal”. Embora a segunda parte da inscrição “saiba que és mortal” seja negligenciada nos nossos dias, arrisco dizer que ela é mais importante que a primeira.

Saber que somos mortais, conhecer nossas fraquezas e limitações talvez seja o único autoconhecimento que esteja verdadeiramente ao nosso alcance. Por isso eu corro de quem vive por ai cantando suas virtudes, nesse sentido o filósofo grego Aristóteles afirma que a virtude é silenciosa, sendo assim a verdadeira virtude é aquela que outras pessoas vêm em mim, jamais as que eu mesmo proclamo.

Essa consciência de que somos limitados, tão presente na idade média, se perdeu ao longo da modernidade, embora houvesse os jansenistas que pensavam essa limitação do ser humano e nossa condição de carentes, caídos e limitados pelo próprio pecado, dos quais um grande expoente foi filósofo Blaise Pascal, desde o século XVII, com a revolução científica e uma negação plena de Deus, nós estamos cada vez mais mergulhados em uma maneira humanista de pensar, em que o homem é autossuficiente e pode tudo, passando pelo super homem do Nietzsche, em que se acredita na capacidade do ser humano para criar seus próprios valores, abandonando a humildade de perceber que são os valores que nos possuem (Pondé), depois Freud, que acertadamente nos lembra que nossos desejos se impõem a nós, contudo o que ele chama de Mal Estar da Civilização, como sendo consequência do refrear desses desejos é na verdade o que manteve a sociedade minimamente ordenada e nos trouxe até aqui.

Em fim, poderia citar outros, mas encerro com Sartre que afirma que a existência precede a essência, nesse sentido o ser humano deve se construir como bem entender. E essa lógica tem vencido e nos tornado narcisistas, vivendo em função do “self”, voltados apenas para nós mesmos.

Entretanto um outro olhar, interessante sobre o “self” no campo religioso me foi colocado por Roger Scruton, em seu livro “A alma do mundo”, em que ele nos alerta que a “self” no cristianismo clássico foi a evolução das religiões, no sentido de que a tradição judaico cristã ensina o auto sacrifício diante de Deus; ao passo que as demais religiões antigas ensinava o sacrifício do outro para aplacar a ira das divindades ou para conseguir alguma dádiva. Importante lembrar que essa foi a grande batalha do povo hebreu no antigo testamento, sobretudo no período dos juízes.

Se há algo que pode ser chamado de progresso na história religiosa da humanidade, ele se dá na lenta preferência pelo self em detrimento do outro como a principal vítima sacrificial. É precisamente nisso que se apoia a exigência moral da religião cristã (Roger Scruton)

Infelizmente essa conquista que nos ajudou a sair da barbárie das religiões antigas vem se perdendo, com a mentalidade moderna surgem teologias motivacionais, teologias que possuem unicamente interesse em justificar ideologias políticas, ideologias essas que ignoram a limitação humana e acreditam na construção de um mundo perfeito, ou seja, rejeitam a promessa de redenção feita por Jesus e acreditam na redenção feita pela política.

Enfim, a era da “self” pode ser um avanço tecnológico e de fato é; contudo no campo da moral e da religião já foi uma evolução, hoje em dia, a medida que ignoramos que o pecado habita em nós, como nos lembra Paulo na carta aos Romanos 7.19, a “self” cristã narcisista é um grande retrocesso. Deveríamos parafrasear a máxima grega: “Conhece a ti mesmo e saiba que és pecador”.

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